Laços e nós: crônicas de uma defensora

Autora:
LEITE, Emanuela

ISBN: 978-65-87429-06-9 (impresso)
ISBN: 978-65-87429-07-6 (e-book/pdf)
Ano de publicação: 2020
142 páginas

Como citar:
ABNT: COSTA, Emanuela Vasconcelos Leite. Laços e nós: crônicas de uma defensora. Sobral-CE: Editora SertãoCult, 2020.

APA: Costa, E. V. L. Laços e nós: crônicas de uma defensora. Sobral-CE: Editora SertãoCult, 2020.

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INTRODUÇÃO

Quando comecei minha trajetória de concurseira, confesso, a Defensoria Pública não estava nos meus planos. Na época, analisei superficialmente o fazer de cada instituição e me assustei com o que ouvia falar acerca do movimento intenso de atendimentos que se fazia na Defensoria e que as emoções que envolviam os conflitos eram sempre bem carregadas, “à flor-da-pele”. Pensava comigo: esse não dá para mim, é muito sofrimento para administrar.

Assim, segui fazendo concursos federais e tomando distância regulamentar dos editais da Defensoria Pública que eram abertos pelo Brasil afora. Um belo dia surge uma oportunidade de um concurso no Estado do Ceará, com cheiro de oportunidade de trabalhar perto de casa e com um prazo bacana para redirecionar os estudos. Adivinhem qual? Isso mesmo. Para Defensor Público e, para a minha surpresa, era o meu concurso. Depois de alguns meses de prova, lá estava eu trabalhando na minha primeira cidade, no interior do Estado.

Alguns meses depois do concurso, comecei a trabalhar e era tudo extraordinariamente novo para mim; estava sozinha na comarca, com muitas demandas de naturezas diferentes e intensa procura da população assistida. No meio de tudo aquilo, tinha algo que tornava muito leve e envolvente a minha experiência: a confiança com que as pessoas revelavam suas necessidades mais caras e urgentes e a aposta que faziam na minha capacidade de buscar seus direitos.

Assim, quase que por um capricho da vida, justamente o que mais assustava antes de ser defensora, passou a ser o que mais me satisfazia no desempenho das minhas funções: atender gente, ouvir pessoas e ver, no meio desse movimento, a vida acontecer bem ali diante de mim.

Em poucos dias na Defensoria já percebi que estava diante de um rico manancial de culturas, histórias, personagens e, independentemente do que eu pudesse vir a fazer por aquelas pessoas que buscavam nossos serviços, ainda seria pouco – muito pouco – diante de tudo o que me seria oferecido em experiências e novos propósitos para redesenhar os meus valores e ajustar as lentes com as quais eu estava acostumada a olhar para o mundo.

Identifiquei, em poucos dias, um contexto que estava presente – e era comum – a todas as demandas: o contexto familiar e como nós, seres humanos, repercutimos, ressoamos, os ares que respiramos em casa. Assim, encontrei na escuta ativa das pessoas que buscavam nossos serviços um instrumento de compreensão desses contextos e aferição das estratégias mais construtivas e colaborativas para a gestão de possíveis soluções. Portanto, desde muito cedo, ficou claro para mim que o direito posto, a lei escrita, sozinhos, não trazem as respostas que nós, humanos, esperamos.

As histórias, pois, foram se somando, cada uma com sua emoção e singularidade; algumas me punham a rir, outras me levavam às lágrimas; havia personagens que ficavam por dias e dias em meus pensamentos e outros tantos que jamais foram embora, de tão forte a marca que deixaram em sua passagem.

Com o passar dos anos, comecei a perceber que a quantidade de informações que eu administrava diariamente e o transcurso do tempo levariam embora algumas lembranças de meus generosos personagens. Resolvi, então, que era hora de começar a escrever o que eu via, escutava, sentia e como eu significava cada história que você lerá neste livro. A cada texto concluído, que exultante alegria! Aquelas vidas acendiam novamente dentro de mim e eu me sentia mais povoada de sentimentos, mais plena, como se eu fosse capaz de somar cá dentro a força de tantas vidas.

Neste processo de escrita fui movida ainda por outro objetivo: o de fazer com que a riqueza de todas essas emoções que me atravessaram (e têm me transformado) possa chegar a outras pessoas e que se espalhe a notícia de que a Justiça não trabalha com protocolos, documentos e processos, mas com sentimentos e necessidades urgentes e que são comuns a todos nós, que compartilhamos da mesma humanidade, pois que falam de pertencimento, respeito,
tolerância, identidade, falam ainda de amar e ser amado. Então, deixei viver minhas memórias.

Um cuidado, pois, sempre me acompanhou nesse percurso: a proteção à identidade dos personagens. Assim, tratei de trocar os nomes reais e outros (pequenos) detalhes mais característicos de algumas histórias, mas preservando o contexto central dos diálogos, movimentos da cena e minhas percepções sobre os acontecimentos, registrando, sobretudo, preciosos ensinamentos que me trouxeram.

Cheguei a publicar em redes sociais algumas histórias, tais como faço neste livro, e não faltou quem me contatasse para pedir para escrever sobre sua experiência, pessoas que já haviam sido assistidas na Defensoria e que, portanto, gostariam de se ver retratadas em algumas das crônicas, mas eu estava alerta que, mesmo nessa situação, precisamos preservar a intimidade de todos os envolvidos – posto as histórias sempre envolvem mais de uma pessoa – inclusive, e sobretudo, das crianças tão presentes – e grandiosas em boa parte das narrativas.

Nós aprendemos durante a formação em direito que nosso trabalho é “encaixar” a queixa/interesse dos indivíduos a uma lei ou jurisprudência posta. No entanto, sem um processo de escuta inicial e humanizado, na grande maioria dos casos, só temos acesso ao que as pessoas pensam que precisam, seus interesses aparentes, e processos judiciais acabam sendo manejados com base em inclinações impulsivas ou mesmo com vieses vingativos/repressivos ou como instrumento de barganha. Por outro lado, quando conseguimos entender o interesse real que movimenta os indivíduos, nos apropriamos com mais eficiência da capacidade de gerir conflitos e encontrar soluções que acalentem necessidades reais e ainda preservem o respeito e a boa comunicação entre as pessoas envolvidas. Por tudo isso é que temos tantos diálogos em nossas histórias.

Quando estava finalizando esse trabalho de escrita, percebi que as mensagens trazidas poderiam ser subsidiadas ainda por mais um recurso tão importante para nós, o visual. Assim nasceu a ideia dos desenhos, com poucos traços e simplicidade, para nos conectar também com as crianças que nos habitam e que estiveram tão bem representadas pelos personagens das histórias que você conhecerá em breve.

Concluo, portanto, esta nossa conversa inicial, confidenciando-lhe que a presente obra é muito mais uma forma de viver e movimentar o meu amor por todo este projeto de trabalho que apresentei a você do que uma aposta na minha capacidade literária. Estou ciente de que ainda tenho uma longa caminhada nessa arte da escrita, por isso, inclusive, o tempo que levei para decidir-me a publicar, mas guardar só para mim tantas lutas inspiradoras não pareceu ser a opção mais generosa. Não seria justo eu me encantar sozinha… portanto, apresento-lhe

Laços e Nós, crônicas de uma Defensora.

CRÔNICAS

Tempo: compositor de destinos / 17
Em nome do (meu) pai / 23
Até que a vida os separe / 27
É o que tenho pra hoje / 33
Eu fi co com a pureza da resposta das crianças / 39
Estar-se presa por vontade / 45
O dia em que Alice me parou / 49
O ninho enjeitado / 55
Quando tudo for pedra, atire a primeira rosa / 61
Senhor juiz, pare, agora! / 65
Nicole: um nome, duas faces / 71
Uni, duni, tê…O escolhido foi você! / 77
Chamada para o céu / 85
Luto, logo existo! / 89
No fim, sós / 97
Bola murcha / 105
Descanse em paz! / 111
Filho pródigo / 117
Não é a mamãe! / 123
Não vale uma fisgada dessa dor / 129
Só abra quando for embora! / 137